Mestre Pastinha
Vicente
Ferreira Pastinha
Mais
conhecido por Mestre Pastinha, nascido em 1889, dizia não ter aprendido a
Capoeira em escola, mas "com a sorte". Afinal, foi o destino o
responsável pela iniciação do pequeno Pastinha no jogo, ainda garoto. Em
depoimento prestado no ano de 1967, no 'Museu da Imagem e do Som', Mestre
Pastinha relatou a história da sua vida: "Quando eu tinha uns dez anos -
eu era franzininho - um outro menino mais taludo do que eu tornou-se meu rival.
Era só eu sair para a rua - ir na venda fazer compra, por exemplo - e a gente
se pegava em briga. Só
sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de
vergonha e de tristeza." A vida iria dar ao moleque Pastinha a
oportunidade de um aprendizado que marcaria todos os anos da sua longa
existência.
"Um
dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente.
Vem cá, meu filho, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de
apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O
tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar
coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui". Começou
então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da
Cultura Africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o
aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Além das técnicas, muito
mais lhe foi ensinado por Benedito, o africano seu professor. "Ele
costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do
que você sabe (...). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com
um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu
amigo de admiração e respeito."
Foi
na atividade do ensino da Capoeira que Pastinha se distinguiu. Ao longo dos
anos, a competência maior foi demonstrada no seu talento como pensador sobre o
jogo da Capoeira e na capacidade de comunicar-se. Os conceitos do mestre
Pastinha formaram seguidores em todo Brasil. A originalidade do método de ensino,
a prática do jogo enquanto expressão artística formou uma escola que privilegia
o trabalho físico e mental para que o talento se expanda em criatividade. Foi
o criador da Capoeira Angola e grande incentivador da Capoeira Tradicional como
os escravos jogavam.
Fundou
a primeira escola de Capoeira Angola, o "Centro Esportivo de Capoeira
Angola" no Brasil, no Pelourinho, na Bahia. Hoje, o local que era a sede
de sua academia é um restaurante do Senai.
Entre
seus alunos estão Mestre Curió, ainda em atividade, Mestre João Grande e Mestre
João Pequeno, entre muitos outros.
Vicente
Ferreira Pastinha morreu no ano de 1981. Durante décadas dedicou-se ao ensino
da Capoeira. Mesmo completamente cego, não deixava seus discípulos. E continua
vivo nos capoeiras, nas rodas, nas cantigas, no jogo. "Tudo o que eu penso
da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da Academia. Em
cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento:
"Mandinga
de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é
inconcebível ao mais sábio capoeirista."
A Ética de Pastinha
Segue
original dos procederes éticos de Pastinha - da forma como eles os deixou
escritos.
"Os
mestre não pode ensinar com descortez nem de modo agressivo, não. Devemos
procurar ficar isolados por que nada podemos fazer sem amor ao esporte. O
egoísmo, a agressividade, a deslealdade, o orgulho, a vaidade, os interesses
mercenários, levam ao isolamento - reverso da esportividade.”
"O
bom capoeirista nunca se exalta procura sempre estar calmo para poder refletir
com precisão e acerto; não discute com seus camaradas ou alunos, não toma o
jogo sem ser sua vez; para não aborrecer os companheiros e dai surgir uma rixa;
ensinar aos seus alunos -sem procurar fazer exibição de modo agressivo nem
apresentar-se de modo descortez..."
“A
calma é indispensável à reflexão, à correção dos movimentos, à adaptação do
jogo entre os pares, tornando o espetáculo mais belo e seguro. Todo capoeirista
deve ser cortês, evitando aborrecer ou irritar seus companheiros, enquanto
mantém sua própria tranqüilidade!”
"...sem
amor a nossa causa que é a causa da moralização e aperfeiçoamento desta luta
tão bela quanto útil: à nossa educação física; ..."
"...
não devemos procurar ficar isolado, porque nada podemos fazer; é muito certo o
trocado popular que diz: a união faz a força:..."
“Só
o respeito mútuo, a observação dos princípios básicos esportivos (lealdade,
humildade e obediência as regras) e a conservação da camaradagem permitem a
união indispensável ao progresso da capoeira!”
"...o
nosso ideal de uma capoeira perfeita escoimada de erros, duma raça forte e
sadia que num futuro próximo daremos ao nosso amado Brasil."
“A
prevenção dos erros por uma conduta educada, respeitosa, gentil, levará ao
aprimoramento do nosso povo.”
Mestre
Pastinha deixou traçado nos seus manuscritos o roteiro do código de conduta
(ética) dos capoeiristas de todas as categorias (mestres, alunos e graduados).
As grandes preocupações do Venerando Mestre sempre foram o futuro da capoeira e
os capoeiristas do futuro. Talvez antevendo a transformação da capoeira-jogo
num desporto pugilístico, em detrimento dos seus aspectos educacionais e
lúdicos. O abandono do ritmo ijexá, majestoso, solene, gerador de movimentos
elegantes e pacíficos, pelos toques rápidos e de caráter belicoso, é a base
sobre a qual vem se desenvolvendo uma capoeira, mais preocupada em "soltar
os golpes" que em se esquivar do movimento de potencial agressivo,
característica predominante entre os capoeiristas do passado aparentemente
invisíveis e intangíveis como o vento (daí a lenda do desaparecimento sob forma
de besouro, gato, etc.). A influência da violência cada vez maior da sociedade
moderna vem desviando a atenção dos verdadeiros fundamentos da capoeira, tornando-a
mais um fator de violência, sob o falso manto de defesa pessoal e de arte
marcial, mero pugilato executado sob um fundo musical de caráter belicoso.
Mister se faz o retorno às origens, lembrando as palavras singelas do nosso
Mestre, no seu dialeto afro-baiano, um verdadeiro código de ética. Seus
conselhos, guardados e obedecidos, certamente tornariam desnecessária uma
regulamentação ou codificação extensa e prolixa.