quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Mestre Pastinha

Mestre Pastinha

Vicente Ferreira Pastinha
Mais conhecido por Mestre Pastinha, nascido em 1889, dizia não ter aprendido a Capoeira em escola, mas "com a sorte". Afinal, foi o destino o responsável pela iniciação do pequeno Pastinha no jogo, ainda garoto. Em depoimento prestado no ano de 1967, no 'Museu da Imagem e do Som', Mestre Pastinha relatou a história da sua vida: "Quando eu tinha uns dez anos - eu era franzininho - um outro menino mais taludo do que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua - ir na venda fazer compra, por exemplo - e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de vergonha e de tristeza." A vida iria dar ao moleque Pastinha a oportunidade de um aprendizado que marcaria todos os anos da sua longa existência.
"Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. Vem cá, meu filho, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui". Começou então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da Cultura Africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, o africano seu professor. "Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (...). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito."
Foi na atividade do ensino da Capoeira que Pastinha se distinguiu. Ao longo dos anos, a competência maior foi demonstrada no seu talento como pensador sobre o jogo da Capoeira e na capacidade de comunicar-se. Os conceitos do mestre Pastinha formaram seguidores em todo Brasil. A originalidade do método de ensino, a prática do jogo enquanto expressão artística formou uma escola que privilegia o trabalho físico e mental para que o talento se expanda em criatividade. Foi o criador da Capoeira Angola e grande incentivador da Capoeira Tradicional como os escravos jogavam.
Fundou a primeira escola de Capoeira Angola, o "Centro Esportivo de Capoeira Angola" no Brasil, no Pelourinho, na Bahia. Hoje, o local que era a sede de sua academia é um restaurante do Senai.
Entre seus alunos estão Mestre Curió, ainda em atividade, Mestre João Grande e Mestre João Pequeno, entre muitos outros.
Vicente Ferreira Pastinha morreu no ano de 1981. Durante décadas dedicou-se ao ensino da Capoeira. Mesmo completamente cego, não deixava seus discípulos. E continua vivo nos capoeiras, nas rodas, nas cantigas, no jogo. "Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento:
"Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista."

A Ética de Pastinha

Segue original dos procederes éticos de Pastinha - da forma como eles os deixou escritos.
"Os mestre não pode ensinar com descortez nem de modo agressivo, não. Devemos procurar ficar isolados por que nada podemos fazer sem amor ao esporte. O egoísmo, a agressividade, a deslealdade, o orgulho, a vaidade, os interesses mercenários, levam ao isolamento - reverso da esportividade.”
"O bom capoeirista nunca se exalta procura sempre estar calmo para poder refletir com precisão e acerto; não discute com seus camaradas ou alunos, não toma o jogo sem ser sua vez; para não aborrecer os companheiros e dai surgir uma rixa; ensinar aos seus alunos -sem procurar fazer exibição de modo agressivo nem apresentar-se de modo descortez..."
“A calma é indispensável à reflexão, à correção dos movimentos, à adaptação do jogo entre os pares, tornando o espetáculo mais belo e seguro. Todo capoeirista deve ser cortês, evitando aborrecer ou irritar seus companheiros, enquanto mantém sua própria tranqüilidade!”
"...sem amor a nossa causa que é a causa da moralização e aperfeiçoamento desta luta tão bela quanto útil: à nossa educação física; ..."
"... não devemos procurar ficar isolado, porque nada podemos fazer; é muito certo o trocado popular que diz: a união faz a força:..."
“Só o respeito mútuo, a observação dos princípios básicos esportivos (lealdade, humildade e obediência as regras) e a conservação da camaradagem permitem a união indispensável ao progresso da capoeira!”
"...o nosso ideal de uma capoeira perfeita escoimada de erros, duma raça forte e sadia que num futuro próximo daremos ao nosso amado Brasil."
“A prevenção dos erros por uma conduta educada, respeitosa, gentil, levará ao aprimoramento do nosso povo.”

Mestre Pastinha deixou traçado nos seus manuscritos o roteiro do código de conduta (ética) dos capoeiristas de todas as categorias (mestres, alunos e graduados). As grandes preocupações do Venerando Mestre sempre foram o futuro da capoeira e os capoeiristas do futuro. Talvez antevendo a transformação da capoeira-jogo num desporto pugilístico, em detrimento dos seus aspectos educacionais e lúdicos. O abandono do ritmo ijexá, majestoso, solene, gerador de movimentos elegantes e pacíficos, pelos toques rápidos e de caráter belicoso, é a base sobre a qual vem se desenvolvendo uma capoeira, mais preocupada em "soltar os golpes" que em se esquivar do movimento de potencial agressivo, característica predominante entre os capoeiristas do passado aparentemente invisíveis e intangíveis como o vento (daí a lenda do desaparecimento sob forma de besouro, gato, etc.). A influência da violência cada vez maior da sociedade moderna vem desviando a atenção dos verdadeiros fundamentos da capoeira, tornando-a mais um fator de violência, sob o falso manto de defesa pessoal e de arte marcial, mero pugilato executado sob um fundo musical de caráter belicoso. Mister se faz o retorno às origens, lembrando as palavras singelas do nosso Mestre, no seu dialeto afro-baiano, um verdadeiro código de ética. Seus conselhos, guardados e obedecidos, certamente tornariam desnecessária uma regulamentação ou codificação extensa e prolixa. 

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